ARTIGO: A PEC 471/05 E A NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO PARA OS CARTÓRIOS
Neste artigo vamos estudar acerca da importância das atividades dos Tabeliães e Registradores, bem como a necessidade, ou não, de concurso público para tais atividades extrajudiciais, pois o Estado Brasileiro organizou, efetivamente, os serviços notariais e registrais no seu artigo 236, que, no caput, determina que "[...] os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público" (BRASIL, 1988).
Conquanto se consubstancie em prestação de serviços públicos extrajudiciais, a Constituição não tratou da atividade notarial e registral no título reservado à organização do Estado, de modo que é possível falar na natureza sui generis da referida atividade.
Tal atividade notarial e registral, todavia, não é exercida por titulares de cargos públicos, mas, sim, por particulares. Ocorre que também se submetem a concurso público, nos termos do § 3º do Art. 236 da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).
As serventias extrajudiciais não são pessoas jurídicas, mas, sim, órgãos do Poder Judiciário, e os oficiais são particulares em colaboração com a administração pública após receberem delegação para o correspondente exercício da função pública de serventuário.
Nesse sentido, realizam essas atividades, pessoalmente ou com assistência de auxiliares e escreventes por eles contratados, de acordo com o Art. 20 da lei 8.935 (BRASIL, 1994). Essas disposições não deixam dúvida acerca da natureza particular das referidas funções.
Apesar de não serem servidores públicos stricto sensu, os notários e registradores devem se ater aos princípios gerais da Administração Pública, aos crimes contra a administração pública e à improbidade administrativa, nos termos do art. 22 da lei 8935/94.
Recentemente, o STF, recentemente, discorreu sobre a responsabilidade civil, em sede de repercussão geral: "[...] O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa" (BRASIL, 2019).
Portanto, a responsabilidade civil é subjetiva, conquanto o Estado responda objetivamente, deixando a dupla garantia, assim como ao servidor público
No que tange aos concursos públicos, tais são imperiosos, pois antigamente os cartórios eram providos hereditariamente, tendo em vista que a exigência de concurso público, por se tratar de garantia individual contra o arbítrio do Estado, é cláusula pétrea, sendo claramente inconstitucional qualquer mudança nesse paradigma.
Um dos direitos individuais mais relevantes é a igualdade, constante no caput e no §1º do Art. 5º da Constituição (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o concurso público, ao corroborar a isonomia, transforma-se em um direito fundamental contra o arbítrio do Estado na escolha dos ocupantes de funções registrais e notariais.
Lembre-se que, a partir da CF/88 foi modificada a perspectiva privatista, tornando imprescindível o concurso público. Questionável, porém, se a exigência de concurso público é cláusula pétrea ou poderia ser eliminada por emenda à constituição. Trata-se do nó-de-Górdio da quaestio.
Não bastasse, o Art. 37, caput, determina que um dos princípios da administração pública é a impessoalidade (BRASIL, 1988), que é justamente corolário da igualdade. Assim, verifica-se a necessidade de concurso público para ocupar as serventias.
O concurso público corrobora a meritocracia. O CNJ, fixou diretrizes para os concursos públicos, por meio da Resolução 81, na qual ressalva os titulares de serventias que ingressaram na atividade, mesmo sem concurso público, antes 05 de outubro de 1988 (BRASIL, 2009).
O CNJ tem compelido os Tribunais de Justiça do país a realizar concursos públicos para o provimento e remoção dos titulares das serventias extrajudiciais, evidenciando a necessidade da alta capacidade técnica e profissional dos aprovados, dada a grande dificuldade inerente aos certames.
Os concursos públicos, indispensáveis para a remoção e o provimento das serventias extrajudiciais, são essenciais para selecionar os candidatos mais capacitados para a prestação do serviço notarial e registral. Quanto mais capacitados os oficiais, melhores e mais eficazes são os atos por eles praticados.
As cláusulas pétreas são disposições imutáveis, que jamais o constituinte derivado poderá sugestionar ou alterar o texto constitucional, e que se encontram no Art. 60, §4º da CF. Dentre elas, no inciso I, se encontra a imutabilidade dos direitos e garantias individuais (BRASIL, 1988).
Para tanto, é necessário aferir se a exigência de concurso público é ou não cláusula pétrea. Para se alcançar a isonomia e o livre acesso aos cargos públicos é que o constituinte originário determinou que fosse realizado concurso para a investidura.
Há, todavia, várias proposições legislativas voltadas à mudança desse paradigma, na tentativa de evitar que o provimento nas serventias extrajudiciais ocorra sem a necessidade de concurso público. Questiona-se, nesse sentido, a viabilidade de tais proposições.
Enquanto uma serventia estiver vaga, são nomeados os interinos, em condição precária e transitória, situação que, por se tratar de questão emergencial, não viola a Carta Magna. Ocorre que há várias tentativas de se desnaturar a necessidade de realização do concurso público.
Uma das mais graves tentativas de violação dessa cláusula pétrea é a PEC 471 (BRASIL, 2005), de autoria do Deputado João Campos (PSDB-GO), em trâmite no Congresso Nacional, pretendendo alterar a redação do artigo 236 da CF.
Referida PEC modifica a redação do §3º do Art. 236 para ressalvar, da necessidade de aprovação em concurso público, "[...] a situação dos atuais responsáveis e substitutos, investidos na forma da Lei, aos quais será outorgada a delegação de que trata o caput deste artigo" (BRASIL, 2005, n.p.).
Trata-se de uma gritante violação à isonomia, tendo em vista que busca conferir a titularidade de serventias àqueles que não precisaram ser aprovados em concurso público. Além disso, essa atitude comprometeria grandemente a qualidade dos serviços prestados, já que não seriam selecionados aqueles mais capacitados.
Neste sentido, as funções de notas e registro públicos existem desde antiguidade, voltadas a conferir juridicidade e segurança aos negócios jurídicos firmados entre particulares, sempre tendo prestado serviço relevante para a sociedade. No início, todavia, sequer eram prestados por juristas.
É certo que a exigência de concurso para provimento das funções registral e notarial é recente, pois, há algumas décadas, desenvolviam-se no seio das famílias, como se fosse uma herança. O sistema geracional-hereditário marcou a história do direito notarial e registral brasileiro. A partir da promulgação da CF/88, modificou-se essa perspectiva.
A atividade notarial e registral teve assento constitucional no Art. 236, e corrobora a dignidade da pessoa humana, como um conjunto de princípios que garantem aos cidadãos o respeito de seus direitos para que os cidadãos tenham satisfação e bem-estar.
A Constituição Federal determina um entrelaçamento intrínseco com os serviços notariais e registrais, estabelecendo relações com vários direitos fundamentais. Trata-se, no mesmo sentido de serviço altamente qualificado e importante para a sociedade.
Além dos objetivos gerais determinados pela lei, cada uma das funções específicas (notarial e registral) tem objetivos específicos, ambas, todavia, prestadas por profissionais do direito, que transcendem os objetivos legalmente determinados e os objetos específicos de cada uma.
Os usuários dos serviços notariais e registrais, na maioria dos casos, não necessitam de processo judicial para sua prática ou efetivação, de maneira que acabam por desafogar o Poder Judiciário, corroborando o direito fundamental à duração razoável do processo.
Cada vez mais competências são atribuídas às serventias extrajudiciais, situação que reconhece sua eficiência. Trata-se de função pública essencial para a vida negocial, apresentando diversas vantagens em relação ao processo judicial, contribuindo para a concretização dos direitos fundamentais.
Apesar de a natureza jurídica das serventias e dos serventuários extrajudiciais representar quase uma unanimidade na doutrina e na jurisprudência, ainda permanecem algumas dúvidas acerca do tema, mesmo tendo a Constituição de 1988 sido suficientemente clara.
Os serviços notariais e registrais são prestações de serviços públicos extrajudiciais, a Constituição não tratou da atividade notarial e registral no título reservado à organização do Estado, de modo que é possível falar na natureza sui generis da referida atividade natureza jurídica dessa atividade.
As serventias extrajudiciais não são pessoas jurídicas, mas, sim, órgãos do Poder Judiciário, e os oficiais são particulares em colaboração com a Administração Pública após receberem delegação para o correspondente exercício da função pública de serventuário.
Essas disposições não deixam qualquer dúvida acerca da natureza particular das referidas funções. Mesmo não sendo servidores públicos stricto sensu, os notários e registradores devem se ater aos princípios gerais da Administração Pública, aos crimes contra a administração pública e à improbidade administrativa.
Sua responsabilidade civil é subjetiva, dependendo da comprovação de culpa ou dolo, de acordo com o STF. No Brasil, que adotou o sistema de notariado latino, priorizou-se o registro documental detalhado e a prevenção de conflitos judiciais.
Por serem prestadas por particulares que recebem dos Estados e do Distrito Federal a respectiva delegação, assim como ocorre em relação a qualquer delegado, sua atividade deve ser regulada pelo Poder Público, nesse caso específico, pelo Judiciário, responsável por sua fiscalização.
Não são, portanto, servidores públicos em sentido estrito. Assim, não recebem vencimentos ou subsídios ou qualquer outra sorte de renumeração pelo Estado. São, na verdade, pagos pelos usuários dos serviços públicos prestados pelas serventias, por meio dos emolumentos.
Referidos valores são tributos, devendo respeitar os princípios e regras atinentes à matéria, tendo natureza jurídica de taxa, conforme decisão do STF, de maneira que a remuneração dos serventuários extrajudiciais ocorre em um sistema de contrapartida, no qual o qual o prestador é pago somente mediante a efetiva prestação do serviço.
A vedação do acesso às funções públicas efetivas sem a necessidade de aprovação em concurso público é recente na história brasileira, contudo, encontrava-se em duas constituições autoritárias e outorgadas (de 1937 e 1967) e se reproduz em relação às serventias extrajudiciais o mesmo procedimento.
É, portanto, absolutamente indispensável, para a delegação das funções notarial e registral, a aprovação em concurso público, bem como o preenchimento de outros requisitos legais, tanto para o ingresso na atividade por provimento quanto para remoção.
Essa exigência é corroborada pela legislação e pelo CNJ, fazendo com que seja impossível, após a CF/88, tornando impossível que os cartórios sejam providos hereditariamente, em decorrência dessa garantia individual contra o arbítrio do Estado.
Isso porque o concurso público corrobora a isonomia, transformando-se em direito fundamental, até mesmo por serem essenciais para selecionar os candidatos mais capacitados para a prestação de serviços notarial e registral, pois quanto mais capacitados os oficiais, melhores e mais eficazes serão seus atos.
Trata-se, portanto de cláusula pétrea e, portanto, inalterável, ainda que por emenda constitucional em trâmite no Congresso Nacional. Apesar disso, há várias proposições legislativas voltadas a mudar esse paradigma, de modo que o provimento nas serventias extrajudiciais poderia ocorrer sem a necessidade de concurso público.
A PEC 471/05, por exemplo, em trâmite na Câmara dos Deputados, determina a desnecessidade de aprovação para o provimento das serventias que se encontrarem vagas e dirigidas por interinos, efetivando-os, em uma evidente violação à isonomia, configurando gritante inconstitucionalidade, inclusive, por ferir cláusula pétrea.
Conclui-se, portanto, que, para consecução eficaz de tais serviços, os candidatos, por dicção constitucional, devem ser efetivamente submetidos a tais certames, para que possam ser solenemente investidos nas funções notariais e de registro, através de rigorosos concursos públicos.
Trata-se, por consectário, de procedimento essencial para o aperfeiçoamento dessas funções, pois a seleção por meio de concursos públicos visa efetivar a garantia do cidadão por intermédio da qualidade excepcional dos serviços, com vistas a efetivar o valor desse preceito constitucional.
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*Érika Silvana Saquetti Martins - mestranda Direito UNINTER e Políticas Públicas UFPR. Especialista em Dto e Proc Trabalho, Dto. Público e Notarial e Registral Anhanguera. Professora Pós Graduação latu sensu Direito Uninter. Advogada.
Robson Martins - doutorando em Direito. Mestre em Direito. Especialista em Direito Notarial e Registral e Direito Civil. Professor da Pós latu sensu da Uninter e ITE. Docente da ESMPU. Procurador da República.
FONTE: MIGALHAS - https://migalhas.uol.com.br/depeso/340032/a-pec-471-05-e-a-necessidade-de-concurso-publico-para-os-cartorios