ARTIGO - "REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA SEM INVENTÁRIO DOS VENDEDORES" - POR LOURIVAL DA SILVA RAMOS JÚNIOR

Considerando o decesso dos vendedores sem o prévio registro de imóveis de escritura pública, bem como a inexistência de ônus reais ou indisponibilidade constante na matrícula imobiliária, somos levados a pensar em inventário e partilha judicial ou extrajudicial, como meio de transferência subjetivo dominial. Contudo, essa ideia parece um pouco equivocada, conforme os fundamentos a seguir.

Inicialmente, ressalte-se que não se trata de dívida dos vendedores (ora falecidos), o qual pressupõe “documento, revestido de formalidades legais” (§ 1º do art. 1.997, do CC/02) ou reconhecimento judicial do passivo do de cujus.

Na realidade, quando os vendedores falecem antes de registrar a escritura pública, configura-se inadimplemento obrigacional, uma vez que a obrigação de compra não se exaure com a simples quitação de pagamento, enquanto não houver transferência subjetiva dominial no registro de imóveis.

Neste ponto, cabe relembrar que, em regra, as obrigações não são transmissíveis na sucessão causa mortis, mas apenas o seu inadimplemento antes de falecer os devedores, a exemplo da pensão alimentícia. Assim, ocorre a responsabilidade intra vires hereditates, ou seja, a herança responde pelos débitos do falecido (art. 1.997 do CC/02 c/c a primeira parte do art. 796 do CPC/2015).

Assim, não havendo inscrição do ato notarial no registro de imóveis, tudo indica um inadimplemento contratual dos vendedores (embora não seja doloso), cujos “bens do devedor” respondem pela obrigação inadimplida (art. 391 do CC/02 e art. 798 do CPC/2015). Noutros termos, a referida obrigação configura-se existente, válida, eficaz e exigível, mas, como se tornou inadimplente antes do decesso dos vendedores, a sua responsabilidade de cumpri-la transferiu-se aos herdeiros.

O momento de cumprir essa obrigação será apenas na fase de inventário, na seguinte ordem de pagamento, nos termos do art. 651 do CPC/2015: (i) dívidas atendidas; (ii) meação do cônjuge; (iii) meação disponível e (iv) quinhões hereditários, os quais, por sua vez, serão objeto de partilha (art. 653 do CPC/2015), sujeitos ao imposto transmissão causa mortis (ITCM). Ademais, não se olvide que também será necessário verificar o “valor dos bens sujeitos a colação” (art. 1.847 do CC/02).

Em suma, o procedimento de inventário será o seguinte: (i) dívidas atendidas; (ii) bens sujeitos à colação; (iii) meação do cônjuge; (iv) meação disponível e (v) quinhões hereditários. Assim, a finalidade do inventário é separar o patrimônio jurídico do de cujus (monte-mor) em relação à herança partível dos herdeiros (quinhões hereditários).

Como se trata de obrigação inadimplida pactuada em escritura de compra e venda, tudo indica que se refere à “meação disponível” dos cônjuges e, assim, não faz parte dos quinhões hereditários, razão pela qual não incide o ITCM nem requer declaração judicial para autorizar ou reservar o bem imóvel aos compradores.

Então, considerando que os herdeiros tem apenas e única responsabilidade em cumprir a obrigação inadimplida pelos de cujus, bem como o imóvel objeto de escritura pública faz parte da “meação disponível” dos cônjuges (e não dos quinhões hereditários), tudo indica ser possível o registro do ato notarial no cartório de imóveis, antes da instauração de inventário, pois, do contrário, haverá prejuízo aos compradores, que deverão contratar advogados ou solicitar defensores públicos, para chegar ao mesmo resultado do inventário, uma vez que os herdeiros geralmente não principiam o inventário, a exemplo do presente caso.

Aliás, ressalte-se que apenas os quinhões hereditários pressupõem autorização judicial, tais como: (i) a partilha dos bens; (ii) autorizar previamente a reservar bens aos credores (art. 1.997 do CC/02 e art. 642 do CPC/2015) ou (iii) deferir antecipadamente a qualquer dos herdeiros o exercício dos direitos de usar e de fruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro (art. 647, parágrafo único, do CPC/2015). Nesse contexto, se a reserva de jurisdição cinge-se apenas à herança partilhável, tudo indica ser possível o registro imobiliário de escritura pública de compra de imóveis que não fazem parte dos quinhões hereditários.

Portanto, e considerando os argumentos supracitados, é possível o registro de escritura pública de compra de imóvel, que ainda não ingressou no fólio real, sem o prévio inventário dos vendedores, sem prejuízo da responsabilidade pela qualificação registral, de responsabilidade dos oficiais de imóveis.

 

Por: Lourival da Silva Ramos Júnior - Tabelião/oficial da serventia extrajudicial de Sucupira do Riachão/MA

Fonte: Blog do DG


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