ARTIGO - "UMA DECISÃO IMPECÁVEL: TABELIONATOS DE PROTESTO E A CONSULTA Nº 94/2020" - POR MÁRCIO MARTINS BONILHA FILHO

A oportuna iniciativa do tabelião de notas e protesto de letras e títulos, da Comarca de Bebedouro (SP), Carlos Roberto Setonye de Campos, ao ajuizar ação de rito ordinário contra a União, visando à declaração de não incidência tributária sobre os valores recebidos pelo tabelionato de protestos e repassados aos credores, diante da exigência fiscal de inclusão no conceito de renda, na solução de consulta nº 94/2020, da Coordenação Geral de Tributação da Receita Federal do Brasil (Cosit), deu margem à convincente definição judicial sobre a matéria, de inquestionável acerto, com justa aplicação do Direito à espécie.

Muito bem equacionada a questão e a definição jurisdicional dela decorrente, firmada em princípios jurídicos apropriados e no percuciente exame do tema em debate, à luz das normas legais e das orientações fiscais vigentes no campo administrativo e na esfera tributária, com força de convicção, desvenda o rumo certo e traça o caminho da atuação dos tabeliães, no desempenho das suas funções.

O entendimento jurisdicional sobrepõe-se à equivocada interpretação fazendária, no quadro descrito, a merecer o reconhecimento dos que militam na Justiça, pela eficácia do poder de convencimento que emana da deliberação justa e jurídica.

Os tabeliães de protesto de letras e títulos, como delegados do poder público, com a competência estabelecida pelo artigo 11, da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, e as atribuições nele contempladas, estão submetidos ao regime de recolhimento do imposto de renda, pelos emolumentos que recebem.

À evidência, os valores recebidos a título de emolumentos estão inseridos no conceito legal de renda, na consideração que constituem remuneração pelos atos praticados, nos termos do artigo 14, da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos), destacando-se nesses valores aqueles correspondentes às custas de escrituras, certidões, buscas, averbações e registros de qualquer natureza.

A atividade desempenhada pelos tabeliães de protesto envolve, ainda, por força de lei (Lei Federal nº 9.492/97, que regulamentou o protesto), uma atuação consistente em receber o pagamento do título e de outros documentos da dívida.

Vale dizer, o pagamento do título ou do documento de dívida apresentado para protesto pode ser feito diretamente no tabelionato competente, no valor igual ao declarado pelo apresentante, certo que no ato do pagamento o tabelionato dará a respectiva quitação, e o valor devido será colocado à disposição do apresentante no primeiro dia útil subsequente ao do recebimento.

A rigor, o tabelionato de protesto atua como intermediário por força de lei entre o devedor e o credor (apresentante do título), com previsão para receber os valores, dar a quitação e promover até o primeiro dia útil seguinte o repasse.

Nesse roteiro, forçoso reconhecer que os valores recebidos não entram na esfera de disponibilidade do tabelionato, não incorporando nada novo, não constituindo riqueza nova ou acréscimo patrimonial.

Como é intuitivo, não há que se cogitar de acréscimo patrimonial pelo repasse dos pagamentos efetuados aos credores, embora obrigados a dar quitação formal, atuando, nesse caso, como representante regular do credor, especificamente para esse fim.

Na relação com a autoridade tributária, estão sujeitos à escrituração do Livro-Caixa e ao recolhimento mensal do imposto federal pelo Livro-Carnê leão, sob a disciplina funcional da Eg. Corregedoria Geral da Justiça, que traça a respectiva orientação administrativa.

Nesse cenário, nítido identificar que não auferem lucro com o repasse dos valores aos credores, nem se beneficiam de vantagem patrimonial a esse título.

Bem por isso, afigura-se leonina e voraz a deliberação do Fisco Federal, na resolução impugnada judicialmente (Consulta nº 94/2020), firmando orientação para a escrituração dos recursos oriundos de títulos sob protesto, mediante o equivocado entendimento de que esses valores devem ser considerados como receita em Livro-Caixa.

Como mero repassador de créditos, não poderá o tabelião arcar com essa obrigação, salvo atentado inadmissível à lei, às normas e aos princípios gerais de Direito.

A esmerada sentença proferida pelo juiz federal substituto da Comarca de Barretos (SP), confirmada pelo v. Acórdão unânime da Colenda 3ª Região (Apelação Cível nº 500010-39.2021.4.03.6138), relatado pelo eminente desembargador federal Nelson Nery Júnior, em 15/7/2022, de escorreita fundamentação, constituem (sentença e acórdão) manifestações do Judiciário que merecem acolhida favorável no mundo jurídico, posto que representam a proclamação da acertada distribuição da Justiça.

*Márcio Martins Bonilha Filho é desembargador aposentado do TJ-SP, sócio no escritório Barcellos Tucunduva, na área de registros públicos, e membro do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).

Fonte: ConJur


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