CARTÓRIOS DE PROTESTO E O IMPORTANTE PAPEL NO AVANÇO DO MERCADO DE CRÉDITO NO BRASIL

Mesmo com o aperto financeiro das famílias e empresas diante das medidas de confinamento social em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus, o Banco Central estima uma alta de 8% no mercado de crédito nacional em 2021.

A projeção, divulgada no Relatório Trimestral de Inflação, mostra que o estoque de operações de crédito chegou a R$ 4,017 trilhões em 2020. O saldo do crédito subiu 15,5% em comparação com 2019, sendo essa a maior alta desde 2012, quando havia subido 16,4%.

“O aumento [da projeção para 2021] decorre da reavaliação na trajetória esperada para o crédito direcionado, enquanto a expectativa de evolução do crédito livre foi mantida. Nos financiamentos às pessoas jurídicas com recursos livres, a projeção foi mantida em 10%, considerando o cenário de recuperação da atividade econômica, concentrado no segundo 2º semestre a desalavancagem esperada de parte dos tomadores de crédito e a retomada de emissões de dívidas corporativas fora do Sistema Financeiro Nacional (SFN) pelas grandes empresas, o que reforçaria o movimento de desaceleração do crédito bancário ante 2020”, afirma o Banco Central em seu relatório de projeções.

Na esteira das facilidades criadas pelo Banco Central e pelo Ministério da Economia para incentivar o crédito no Brasil, o instrumento do Protesto de Títulos vem ganhando cada vez mais relevância no cenário nacional, tornando-se um importante instituto para o sistema financeiro e o mercado de uma forma geral.

“O Protesto tem servido como meio para facilitar a comprovação do inadimplemento de operações, além de dar publicidade desse descumprimento contratual, propiciando ao devedor o conhecimento da apresentação feita pelo credor, facilitando a quitação ou renegociação do débito”, relata o coordenador- -geral de sistemas financeiros da Secretaria de Política Econômica da Secretaria Especial da Fazenda, Emanuel Sousa de Abreu.

De acordo com o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB/BR), somente em 2020 foram protestados títulos privados no valor de mais de R$ 20 bilhões, sendo que a quantidade de recuperados girou em torno dos R$ 12 bilhões, ou seja cerca de 58% do total. Em 2021, os títulos privados levados a Protesto já atingiram a marca de R$ 8 bilhões, com índice de recuperação de mais de 53%, taxa extremamente favorável àquele que necessita recuperar seus créditos.

“O Protesto no mercado de crédito exerce duas funções. Primeiro ele é um parâmetro para avaliação do crédito do tomador, uma informação fidedigna a respeito de inadimplementos, o que permite uma análise mais precisa da capacidade de adimplemento do tomador. Por outro lado, exerce no mercado de crédito uma função importante de ser um mecanismo oficial para sua recuperação, tendo, portanto, funções no aspecto econômico e também jurídico”, aponta Reinaldo Velloso dos Santos, mestre e doutor em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP) e tabelião de Protesto em Campinas, Estado de São Paulo.

Segundo o presidente executivo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, o saldo das operações de crédito no Brasil atingiu R$ 4,1 trilhões no último mês de abril, o que equivale a 53,6% do nosso Produto Interno Bruto, crescendo de forma expressiva durante a pandemia, mesmo com o forte declínio da atividade econômica.

“Em 2020 o crédito cresceu 15,6% com uma queda do PIB de pouco mais de 4%. Acho até que a recessão só não foi maior por conta dos programas sociais e desta forte expansão do crédito para empresas e famílias. Pensando no longo prazo, a questão é como podemos avançar ainda mais na expansão das operações de crédito e nos aproximar dos níveis dos países desenvolvidos”, avalia o presidente da Febraban.

“É impossível imaginar, a partir da quantidade de títulos que circula em nosso mercado, utilizar a estrutura do Poder Judiciário para trazer segurança jurídica à recuperação de créditos inadimplidos. É daí que vem a importância do Protesto como uma importante ferramenta na recuperação do crédito. É utilizado em ampla escala pelas instituições financeiras, sendo parte fundamental das políticas de crédito de cada uma delas”, complementa Isaac Sidney.

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Autor do livro “Protesto Notarial e sua função no mercado de crédito”, fruto de sua tese de Doutorado, Velloso traça, em sua obra, um histórico da evolução do Protesto no mundo e no Brasil e explica que o instituto exerce uma função importante em decorrência da pouca eficiência do processo de execução judicial brasileiro.

Velloso investigou em sua obra a eficácia do instituto em outros países, como França e Itália, e verificou que há algumas variações em relação ao agente que lavra o Protesto, identificando que onde a ferramenta é dotada de publicidade, possui relevância maior.

“Em alguns países não é permitido o pagamento no Tabelionato perante um agente incumbido do Protesto. Existe apenas a possibilidade de desistência do Protesto, mas o que eu vejo que a diferença mais significativa é em relação a publicidade do Protesto. Onde o Protesto é dotado dessa publicidade ampla, ele tem uma relevância maior. No Peru, por exemplo, ele é informado ao registro de moras e Protesto é de âmbito nacional. Na Itália existe o registro nacional de Protesto, onde também é informado a entidades de proteção ao crédito. Desta forma, os birôs de crédito eles tem acesso as informações de Protesto. Em outros países em que o Protesto não é dotado dessa ampla publicidade ele é simplesmente uma medida para resguardar o direito do portador do título”, relata Velloso.

Em sua obra, Velloso rememora uma decisão ocorrida há 100 anos, em 1921, que foi originária do Tabelionato de Protesto da antiga capital federal, o Rio de Janeiro. “O comentário que foi feito no Tratado de Direito Comercial do Carvalho de Mendonça foi de que tecnicamente não existia nenhum óbice para que a agência de informação solicitasse informações de todos os Protestos lavrados porque aquilo era uma informação dotada de publicidade”, explica o tabelião.

Segundo Velloso, a publicidade do Protesto, garantida pela Lei 9.492 de 10 de setembro de 1997, não conflita com a Lei Geral de Proteção de Dados. De acordo com ele, as agências de informação vêm atuando há muitos anos no Brasil, exatamente pela necessidade de obter informações a respeito do crédito e da inadimplência.

Para a mestre e doutora em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Adriana Valéria Pugliesi, a publicidade do Protesto não entra em confronto com a LGPD e sim ajuda a preservar o crédito no país.

“A LGPD é um mecanismo de proteção de informações pessoais obtidas por uma organização por força de uma relação jurídica com uma contraparte, de modo que a organização não poderá utilizar-se de tais informações para outros fins empresariais (lucrativos) para além da relação jurídica originária. O Protesto, com sua função econômica de publicidade com a finalidade de preservar o crédito, não está inserido no rol de vedação da LGPD”, destaca a professora.

“O Protesto é muito importante para o mercado por ser a ferramenta mais eficiente na recuperação de crédito, uma vez que consegue a solução da dívida em até três dias úteis de 60% dos títulos e documentos de dívida encaminhados aos cartórios. Soma-se a essa eficiência o fato de ser gratuito para o credor. Então, o mercado de crédito tem no Protesto, a solução mais eficiente para a recuperação de crédito de forma gratuita”, argumenta o presidente do Instituto de Estudos e Protestos de Títulos do Brasil – Seção Espírito Santo (IEPTB-ES), Rogério Lugon Valladão.

NOVAS ATRIBUIÇÕES

Ao longo dos anos, o instrumento do Protesto foi ganhando novas atribuições no que concerne ao mercado de crédito, se estendendo às obrigações civis, ao processo civil com o Protesto de sentença judiciais e decisões irrecorríveis, além de abarcar também o Direito Tributário, com o Protesto da Certidão de Dívida Ativa.

A necessidade de padronizar a atuação do Protesto em todo o país também fez com que a Corregedoria Nacional de Justiça editasse alguns provimentos para facilitar a vida do credor e acelerar a recuperação do crédito em todo o território nacional.

O Provimento nº 86, publicado pela Corregedoria no dia 29 de agosto de 2019, permite que pessoas físicas e jurídicas, incluindo bancos e instituições financeiras fiscalizadas pelo Sistema Financeiro Nacional levem seus títulos aos Cartórios e protestem gratuitamente o devedor inadimplente.

Já o Provimento nº 87 regulamentou a implantação da Central Nacional de Serviços Eletrônicos dos Tabeliães de Protesto de Títulos (Cenprot), tornando possível uma verdadeira revolução digital nos Tabelionatos e no sistema financeiro brasileiro.

“As medidas implementadas, além de facilitarem a recuperação de créditos pelos credores, trouxeram a integração digital, tornando rápida e segura a consulta da situação jurídico-econômica de determinada empresa ou pessoa. Trata-se, portanto, de vantagens significativas para o instituto, permitindo maior agilidade e segurança jurídica na consulta de informações, bem como na cobrança de dívidas de diversas naturezas, possibilitando um acesso mais isonômico ao eficaz mecanismo do Protesto”, comenta o assessor jurídico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Fábio Cortezzi.

Para o professor de finanças do Insper, Ricardo Rocha, a dinamização do instituto do Protesto está dentro do conceito da transformação digital. “No Brasil, nós, durante muito tempo, tivemos muita complacência com os endividados. Por uma série de razões. E um outro problema era a velocidade de resposta a essas questões, relacionadas, por exemplo, a Protestos. Tudo que você puder digitalizar para ficar mais rápido é muito importante”, destaca.

Outra norma importante para a renegociação de dívidas foi contemplada no Provimento nº 72, que dispõe sobre medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas diretamente nos Cartórios de Protesto de todo o Brasil.

“O Provimento 72 é uma decorrência do Provimento 67 que tratou da conciliação e mediação nas serventias. Mas ele foi além. Além da conciliação e mediação, existem outros mecanismos alternativos para a solução de controvérsias. E um deles é essa renegociação em que as próprias partes oferecem a sua proposta, onde o credor que disponibiliza na plataforma da Central Eletrônica de Protesto ou em uma plataforma própria o valor atualizado do débito com possibilidade de parcelamento ou desconto ou o devedor que formula uma proposta para pagar aquela dívida, podendo sugerir um desconto, um pagamento parcelado, e o tabelião simplesmente dá notícia a outra parte qual foi a proposta apresentada”, relata Velloso.

Segundo o presidente do Instituto de Estudos de Protesto do Rio Grande do Sul (IEPRO), Romário Mezzari, o Provimento 72 estabeleceu medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas a serem executadas pelos Tabelionatos de Protesto através de mediação e renegociação pelo titular e pelos escreventes autorizados.

“A atividade deve ser executada pelo delegatário ou por escreventes autorizados já constando em listagem pública e com realização prévia de curso de mediação. Esta exigência, que se mostrou custosa, excessivamente demorada, inibiu profundamente o sucesso do Provimento 72. Isto está sendo revisto e provavelmente teremos uma remodelação que possibilite, finalmente, a utilização deste serviço importante”, confessa o presidente do IEPRO.

SISTEMA BANCÁRIO

Historicamente, o crédito se tornou uma das molas propulsoras do desenvolvimento econômico e social dos países. Atualmente, o Brasil encontra-se em uma posição intermediária em âmbito internacional, com uma relação crédito/PIB de 54,0%, abaixo dos mercados mais desenvolvidos, mas acima dos níveis registrados nos países mais pobres.

Em relação ao sistema bancário, pode-se dizer que o contrato de mútuo bancário é um dos instrumentos contratuais tipificados no Código Civil, amplamente utilizado no Direito brasileiro. Ele consiste em uma relação de empréstimo entre dois particulares, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas.

“Na maioria das vezes, esse mútuo bancário é representado em um título de crédito, como uma nota promissória ou a cédula de crédito bancário. E o Protesto da nota promissória é muito tradicional no nosso Direito e na Cédula de Crédito Bancário, que é um título que foi introduzido há 20 anos, e também tem sido feito de forma sistemática”, destaca Velloso. “O que se percebe é que o Protesto desse crédito bancário, decorrente do mútuo bancário, representa um elemento importante no convencimento do devedor, tornando-se um elemento de pressão”.

Para o presidente da Febraban, Isaac Sidney, “da mesma maneira que o Protesto permite maior previsibilidade na cobrança de títulos de crédito inadimplidos ao credor, o protesto dos contratos de mútuo bancário controla a inadimplência, reduzindo os processos de judicialização”.

Segundo o coordenador-geral de sistemas financeiros da Secretaria de Política Econômica da Secretaria Especial da Fazenda, Emanuel Sousa de Abreu, o Protesto é relevante para a transparência e publicidade nas relações de crédito no sistema financeiro.

“Estima-se que cerca de 60% dos títulos encaminhados a Cartórios de Protesto são pagos em até uma semana, segundo levantamento do Instituto de Estudo de Protestos de Títulos do Brasil - Seção São Paulo. Esse dado demonstra os benefícios gerados pelo instrumento. Além disso, por possuírem fé pública, os Cartórios de Protesto funcionam como um braço auxiliar mais dinâmico do Judiciário, garantindo segurança ao credor e ao devedor, diminuindo os litígios judiciais e custos às partes e ao sistema econômico”, argumenta o coordenador do Ministério da Economia.

Há mais de 50 anos atuando nos estudos sobre os impactos dos juros na vida das pessoas e na economia, a Associação dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) acredita que o instrumento do Protesto é extremamente importante para o sistema financeiro brasileiro.

“O instrumento do Protesto é muito importante não só em relação aos bancos, mas com relação às empresas. A empresa vende para uma outra empresa e a primeira coisa que ela vai fazer é consultar o CNPJ daquela empresa para ver se tem restrição. Se tiver restrição, naturalmente vai ter cuidados adicionais. Só vai vender à vista, ou vai pedir explicações por que do Protesto para avaliar o risco que tem. O Protesto é importante porque permite às empresas terem um cuidado adicional na venda dos seus produtos, sejam eles vendidos para pessoas físicas ou jurídicas”, analisa o diretor executivo da Anefac, Miguel José Ribeiro de Oliveira.

REDUÇÃO DA INADIMPLÊNCIA

Uma das principais ferramentas de recuperação de dívidas não pagas, o Protesto também tem auxiliado a reduzir a inadimplência das empresas em todo o país. Segundo dados do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB-BR), a ferramenta tem recuperado cerca de 65% dos títulos apresentados em até três dias úteis, após a intimação do devedor para efetuar o pagamento da dívida.

O próprio mercado de crédito tende a seexpandir quando encontra um ambiente econômico favorável para se desenvolver, que contribua para uma redução da inadimplência e das perdas com as operações de crédito.

Segundo números de birôs de crédito brasileiros, o ano de 2020 registrou, pela primeira vez em quatro anos, uma queda no total de brasileiros inadimplentes. Ainda assim, o montante de devedores alcançou o patamar de 61,4 milhões em dezembro do ano passado.

De acordo com o coordenador-geral de sistemas financeiros da Secretaria de Política Econômica da Secretaria Especial da Fazenda, Emanuel Sousa de Abreu, os índices de inadimplência são altos no Brasil devido a diversos fatores. “Baixa educação financeira da população brasileira, taxas de desemprego, instabilidade econômica historicamente elevada, insegurança jurídica, dificuldade na execução de garantias, entre outros. Para se reduzir esses elevados índices, registramos que iniciativas como o cadastro positivo, nova lei de falências, open banking, lei de liberdade econômica, esforço de consolidação fiscal, entre outras têm sido encaminhadas pelo Governo”, ressalta o funcionário do Ministério da Economia.

Segundo o presidente da Febraban, Isaac Sidney, dados do Banco Central mostram que a inadimplência é o maior componente do spread bancário, com uma participação de 34,7%. “Os índices de inadimplência no Brasil ainda são elevados, sobretudo para as pessoas físicas. Se considerarmos o segmento livre de crédito, a taxa de inadimplência para as empresas está em 1,7% e no caso das famílias é de 4,1%. E isto acontece não só porque a taxa de inadimplência é alta, mas também porque em nosso país a taxa de recuperação de crédito infelizmente ainda é muito baixa”, revela o presidente da Febraban.

O economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Ulisses Ruiz de Gamboa, diz que a inadimplência continua sendo alta no Brasil se compararmos nossa economia com a de alguns países desenvolvidos. No entanto, explica que o grande problema é o custo jurídico de cobrar o crédito inadimplente.

“A inadimplência continua sendo alta se nós compararmos o Brasil com economias desenvolvidas e talvez com alguns emergentes. Mas, na verdade, historicamente ela está abaixo do que ela era e o principal determinante da inadimplência no Brasil sempre foi o desemprego. O problema no Brasil atual não é o nível de inadimplência, mas sim o custo jurídico de cobrar o crédito inadimplente que continua sendo muito elevado. Nesse sentido, instituir o Protesto como uma ferramenta adicional pode ajudar a diminuir essa demora, e, portanto, esse custo jurídico”, finaliza o economista.

FONTE: Revista Cartórios com Você


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