DES. MARCELO MARTINS BERTHE, RESPONSÁVEL PELA COORDENADORIA DE GESTÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO DA CNJ, DETALHA O PLANO DE AÇÃO DO ÓRGÃO PARA O BIÊNIO 2020-2022
Com o objetivo de aprimorar e modernizar as relações da Justiça com o segmento extrajudicial brasileiro, a corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, instituiu uma Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro, que terá à frente o desembargador paulista Marcelo Martins Berthe, profundo conhecedor da atividade notarial e registral e com vasta experiência consolidada de trabalho no Conselho Nacional de Justiça.
Em poucas semanas de trabalho desde a posse do novo comando nacional do CNJ, a coordenadoria já tem atuado dentro dos eixos estratégicos apresentados no Plano de Trabalho da ministra e divulgados por meio da Portaria CNJ 53/2020, realizando eventos e reuniões com as demais Corregedorias Estaduais, avanços no estudo do tema da Lei Geral de Proteção de Dados e dos avanços tecnológicos do Sistema Apostil.
Para falar sobre os planos da nova gestão nacional, a Revista Cartórios com Você entrevistou o desembargador paulista Marcelo Berthe, que detalhou os planos do órgão para o biênio, assim como a importância que o segmento extrajudicial possui no processo de desjudicialização de demandas no País. Graduado em Direito pela Faculdade da Universidade Mackenzie, onde também se tornou mestre em Direito Político, já presidiu e atuou em diversos concursos públicos do segmento, além de ter sido o responsável pela edição das Resoluções nº 80 e 81 do CNJ.
CcV – O senhor é um profundo conhecedor da atividade extrajudicial no Brasil. Como avalia a importância deste serviço para a sociedade e quais os principais desafios que ela deve superar para se manter relevante no atual cenário de prestação de serviços?
Marcelo Berthe – Essa é uma atividade de especial relevância, como todos sabemos, para a vida econômica e social dos brasileiros. Os principais desafios decorrem da necessidade de se aliar à transformação digital e à proteção de dados pessoais, de modo que se possa prestar os serviços a toda a população, garantindo os direitos dos cidadãos, sem olvidar outros aspectos, tais como a necessidade de redução progressiva da subnotificação de nascimentos, a fim de que todos os brasileiros possam contar a com a proteção do Estado. Aliás, neste particular, recentemente pudemos ver quantas pessoas tiveram dificuldade de provar sua existência diante da Administração Pública, por não contarem com documentos de identificação. A transformação digital permitirá a modernização, a rapidez e a facilidade de acesso aos serviços, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país. Entendemos que, como em outros países, a consolidação, a agregação dos registros em Centrais, o surgimento de redes de Registros nacionais e regionais e a oferta da prestação de serviços notariais e registrais de forma digital é um caminho inelutável.
CcV – Quais são as principais metas da Corregedoria Nacional de Justiça relativas ao serviço judicial para o biênio 2020/2022?
Marcelo Berthe – Conforme discutido no Fonacor e aprovado no XIV Encontro Nacional do Poder Judiciário, as metas e diretrizes estratégicas da Corregedoria Nacional de Justiça para 2021 incluem os segmentos Judicial e Extrajudicial. No que se refere ao Judicial, a Corregedoria Nacional estabeleceu três metas e duas diretrizes estratégicas: Meta 1 - Baixar quantidade maior de reclamações disciplinares do que a distribuída no ano corrente. Meta 2 - Identificar e julgar 100% das investigações preliminares, sindicâncias e dos procedimentos de natureza disciplinar em face de magistrados, em curso nas Corregedorias, que tenham sido autuados até 31/12/2019. Meta 3 - Identificar e julgar 80% das investigações preliminares, sindicâncias e procedimentos de natureza disciplinar em face de magistrados no prazo de 140 dias a partir da autuação. Diretriz Estratégica 1 - Desenvolver projeto de trabalho junto às Unidades Jurisdicionais com maior dificuldade em atingir as Metas Nacionais 1 e 2 ou com recorrente excesso de prazo de conclusão. Diretriz Estratégica 2 - Receber todas as novas representações por excesso de prazo e os novos procedimentos de natureza disciplinar por meio do PJeCor.
CcV – Quais são as principais metas da Corregedoria Nacional de Justiça relativas ao serviço extrajudicial para o biênio 2020/2022?
Marcelo Berthe – No que diz respeito ao Extrajudicial, foram aprovadas duas diretrizes estratégicas, nos termos seguintes: Diretriz Estratégica 3 - Assegurar a implementação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) em todas as unidades de serviços do território nacional pelo Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e o seu funcionamento em plataforma única, com acesso universal, em conformidade com as diretrizes legais e normativas. Diretriz Estratégica 4 - Regulamentar e supervisionar a adequação dos serviços notariais e de registro às disposições contidas na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, inclusive mediante verificação nas inspeções ordinárias.
CcV – Por que a Corregedoria Nacional de Justiça optou por instituir a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registros? Como ela é formada e quais seus objetivos?
Marcelo Berthe – A disciplina do funcionamento da recém-criada Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registros (CONR) evidencia a relevância conferida pela gestão da ministra Maria Thereza de Assis Moura ao Extrajudicial. A Coordenadoria conta com quatro eixos de atuação, cada qual concernente a uma de suas esferas de atividade. Os objetivos da CONR consistem, basicamente, na gestão do acervo processual, no cumprimento do mister de agente regulador do ONR, no implemento dos projetos institucionais da Corregedoria, bem como na fiscalização, elaboração de atas de correição e relatórios, acompanhamento do cumprimento de determinações e de medidas correicionais, elaboração de normas, além do acompanhamento dos concursos públicos de provas e títulos para outorga de delegações de serventias extrajudiciais, mediante organização das vagas, acompanhamento da designação de interinos nas vacâncias, combate ao nepotismo e saneamento financeiro, objetivando a sustentação e ao controle da renda excedente das serventias. Sublinhamos que, em tão curto tempo, a Coordenadoria já vem apresentando desempenho louvável no cumprimento de seu plano de trabalho para o último trimestre de 2020.
CcV – O plano da Corregedoria descreve atuação em quatro eixos: processual, agente regulador, fiscalização/regulação e institucional. É possível descrever como se dará a ação em cada um destes eixos?
Marcelo Berthe – As atividades da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registros são descritas, como já assinalado, por quatro eixos, cada qual referente a uma de suas áreas de atuação. O eixo Processual compreende a movimentação processual, o Banco de Precedentes, na fase de estudos, e a Assessoria Técnica. O eixo de Agente Regulador tem no projeto CNJ/SREI/ONR, em cumprimento à Lei 13.465/2017, sua principal atribuição. O eixo de Fiscalização e Regulação diz respeito às atas de correição e aos relatórios; à execução de medidas correicionais, bem como às questões relativas aos Cartórios, interinidade, nepotismo e renda excedente, dentre outras. No eixo Institucional, situam-se as atividades que dizem respeito à Apostil – E-App da Haia, aos Colégios de Corregedores, bem como aos programas especiais da Corregedoria Nacional de Justiça.
CcV – Como a nova Corregedoria avalia a importância do necessário equilíbrio econômico-financeiro para a sustentabilidade do serviço extrajudicial, deficitário em muitos Estados e municípios do País?
Marcelo Berthe – Esse equilíbrio é necessário. Tanto que foi criada a renda mínima para o registrador civil de pessoas naturais, com o Provimento 81/2018. Vale a pena notar que esse instrumento tem cerca de dois anos, pois entrou em vigor em dezembro de 2018. Em muitos municípios e em alguns Estados, os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, apesar dos relevantes serviços que prestam, são deficitários, seja por conta da desigualdade de renda, do êxodo, ou, ainda, dos pequenos contingentes populacionais servidos por essas serventias extrajudiciais. A lei fixou parâmetros mínimos da presença dos registradores nas sedes dos municípios ou nos distritos daqueles municípios com grande extensão territorial. Ocorre que os emolumentos são fixados pelos Estados, que nem sempre dispõem de informações precisas sobre a realidade econômica de pequenos municípios. Assim, há uma dificuldade de se encontrar o equilíbrio entre a economicidade e a proporcionalidade na remuneração do registro civil. Por outro lado, os fundos financeiros que estão atrelados aos Tribunais de Justiça para complementação da renda mínima podem ser aperfeiçoados, inclusive mediante o enfoque ao que reza o artigo 3º do referido Provimento, no que diz respeito ao item “além de outras fontes de recursos” com medidas de gestão inovadora, com a contribuição da crescente profissionalização de administradores e contadores que fazem parte da força de trabalho dos Tribunais para um maior controle dos valores excedentes a 90,25% do teto constitucional. A solução definitiva, porém, passa por um diálogo entre os poderes da República para a diminuição das desigualdades regionais e das desigualdades no âmbito das unidades federativas.
CcV – Como incentivar Tribunais de Justiça a realizarem concursos públicos, uma vez que a receita recolhida por cartórios administrados por interinos já está se consolidando como receitas dos próprios tribunais?
Marcelo Berthe – Os Tribunais devem observar o disposto no artigo 236, parágrafo 3º, da Constituição Federal, passando a ter uma visão holística dos serviços extrajudiciais. Eventos como o Fonacor ajudam muito na mudança de percepção sobre a importância do segmento Extrajudicial. Outro ponto importante é o destaque dado à Corregedoria Nacional e as Corregedorias locais de todos os segmentos da Justiça no recém Encontro do Poder Judiciário, com a visão do necessário alinhamento entre as metas e diretrizes estratégicas das Corregedorias com o Poder Judiciário nacional. Na medida em que o segmento extrajudicial contribui para a desjudicialização, para a pacificação social, inclusive graças aos mecanismos de mediação e de conciliação, os Tribunais passam a perceber que os concursos públicos para o provimento das unidades notariais e de registro constituem ferramentas de gestão necessárias e inadiáveis.
CcV – O Operador Nacional do Registro será o grande condutor da implantação do registro eletrônico no País. Qual a importância do ONR e quais serão os primeiros passos para a sua implementação no País?
Marcelo Berthe – O Operador Nacional do Registro Eletrônico de Imóveis – ONR, criado pelo artigo 76 da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, tem por finalidade implementar e operar o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), um projeto desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça para implantar no país o serviço de registro de imóveis por meios eletrônicos. Em razão do disposto no §4° do artigo 76, da Lei nº 13.465/2017, cabe ao ONR, sob regulação da Corregedoria Nacional de Justiça, implementar e fazer a gestão do SREI, o que muito contribuirá para o desenvolvimento econômico do país, atendendo às necessidades da Administração Pública e da sociedade brasileira. Um dos primeiros atos da ministra corregedora Maria Thereza de Assis Moura foi, através do Provimento 109, de 14 de outubro de 2020, disciplinar a atuação da Corregedoria Nacional como Agente Regulador do ONR; já tendo sido, outrossim, instalados o Conselho Consultivo e a Câmara de Regulação instituídos pelo referido ato normativo. Além disso, a implantação do SREI em caráter nacional constitui tema que recebeu destaque durante o Fonacor, tendo sido eleito, ao ensejo do XIV Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado ao final de novembro, como uma das diretrizes estratégicas das Corregedorias para o ano de 2021. Vale ressaltar que, no geral, foram pensadas metas e objetivos estratégicos em alinhamento com a Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o sextênio 2021-2026, portanto, são medidas que se iniciam agora, mas cujo alcance protrair-se-á no tempo.
CcV – Durante a pandemia, muitos serviços dos cartórios migraram para os meios eletrônicos, como as escrituras de compra e venda, o protesto e o próprio registro de imóveis. Como a Corregedoria avalia a migração definitiva dos serviços extrajudiciais para o meio digital?
Marcelo Berthe – A migração definitiva dos cartórios para o meio digital é questão de tempo. Em poucos anos, a transformação digital alcançará uma enorme difusão no segmento dos Cartórios. Muitos serviços já estão digitalizados e o ganho de eficiência tem sido sentido pelos delegatários, mas, principalmente, pela população. Temos convicção de que o aumento da cobertura nacional da internet e a almejada universalização de acesso, com o rápido incremento dos dispositivos móveis, contribuirão para mudanças significativas, neste particular, no futuro vindouro. Assim, a prestação dos serviços extrajudiciais, devidamente ancorada na proteção de dados pessoais e devidamente contextualizada na publicidade registral, passará por uma verdadeira revolução nos próximos anos, com impactos relevantes nas esferas da vida produtiva e do bem-estar social.
CcV – Qual o impacto que a nova lei de assinaturas eletrônicas trará ao processo de prestação de serviços em meio digital?
Marcelo Berthe – A Lei 14.063/2020, que dispõe sobre o uso de assinatura eletrônica em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas, dentre outras, constitui um avanço, embora não se ousou universalizar o uso da assinatura eletrônica, em virtude dos vetos praticados. Na realidade, ainda há relutância no que diz respeito à quebra do paradigma pela própria Administração Pública, por inércia, por falta de infraestrutura digital que cubra todo o território nacional e pelo tamanho do acervo analógico. Com o arcabouço da Lei de Acesso à Informação e da Lei geral de Proteção de Dados, já temos um alicerce para avançar para a disrupção que se anuncia com a transformação digital da prestação de serviços públicos e da interação entre cidadãos, setor produtivo e governo. Na prática, os desafios da pandemia forçaram o estado a se reinventar e em alguns setores do Judiciário. No entanto, a resposta foi pronta e muito positiva. A disseminação das boas práticas de atendimento digital foi bem-sucedida no segmento extrajudicial, que não parou e conseguiu encontrar respostas para a continuidade da prestação de seus serviços. Os ganhos de eficiência serão compartilhados pela maioria do segmento, em prol da geração de riqueza, do incremento do ambiente de negócios e de melhoria da vida da população.
CcV – O Provimento 107 da Corregedoria Nacional de Justiça colocou em xeque a sustentabilidade do funcionamento das centrais de serviços eletrônicos no País. Como avalia esta determinação e quais os caminhos para as centrais de serviço aos usuários se consolidarem?
Marcelo Berthe – Essa afirmação precisa receber nuances. Não se trata, exatamente, de que a proibição de cobrança aos consumidores finais, constante do Provimento, tenha colocado em xeque a sustentabilidade do funcionamento das centrais de serviços eletrônicos no País. Pelo contrário, o modelo pode funcionar de maneira que os consumidores finais não sejam prejudicados. Trata-se, também, de uma visão de curto prazo que equipara investimento à despesa. Para se atingir a sustentabilidade, investimentos nas Centrais não são de curtíssimo prazo. Cada especialidade tem suas necessidades. A mensagem que deixo aqui é que a Corregedoria vai se debruçar sobre essa questão, ouvir os interessados e analisar a matéria em conjunto com cada especialidade e, assim, encontrar soluções.
CcV – Como a Corregedoria Nacional avalia a importância da participação extrajudicial na desjudicialização de demandas, como a delegação de atos de divórcios, inventários, usucapião e apostilamento. É possível avançar em novas formas de desjudicialização de atos no Brasil via atividade extrajudicial?
Marcelo Berthe – A Corregedoria Nacional tem uma visão avançada sobre a participação extrajudicial na desjudicialização. O papel das unidades extrajudiciais, agindo por delegação, em atos de divórcios, inventários, usucapião e apostilamento, onde, via de regra, a litigiosidade é nula ou muito baixa, é muito benéfico para a sociedade brasileira, inclusive porque libera recursos e tempo do Poder Judiciário para que este se ocupe de problemas mais prementes. Outro diploma muito relevante neste aspecto é Lei Federal 13.465/2017, que trouxe em seu bojo o procedimento administrativo para a regularização fundiária, o que aos poucos já vem proporcionando a regularização do domínio de dezenas de milhares de moradias, com a consequente possibilidade de instalação de redes de esgotos, de água tratada, redes de luz elétrica e equipamentos públicos para milhares de brasileiros que viviam e ainda vivem sem as condições mínimas de salubridade e de acesso aos serviços públicos básicos. De outro lado, essa tendência tem favorecido, ao lado de outras medidas e alternativas, o descongestionamento do Poder Judiciário. O objetivo da gestão neste biênio visa disseminar os procedimentos administrativos nos serviços notariais e registrais, com padronização e nivelamento da qualidade e da segurança jurídica, a fim de que o serviço seja progressivamente mais bem prestado e novos procedimentos dessa natureza possam ser transferidos para o foro extrajudicial.
CcV – Embora exista Provimento nacional, os atos de mediação e conciliação em cartórios não são uma realidade, muito em razão da falta de normatização e de viabilidade financeira em âmbito estadual. Como superar este impasse para a prática do serviço?
Marcelo Berthe – Os meios alternativos para a resolução de conflitos têm sido cada vez mais procurados e têm mostrado sua excelência na contribuição para a pacificação social e o descongestionamento do Poder Judiciário. Nesse sentido, e com esse escopo, a mediação e a conciliação foram reguladas pelo Provimento 67/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça para que sejam realizadas nas unidades dos serviços notariais e registrais. Lembramos que a desjudicialização confere mais celeridade, permite a redução de custos e diminui o fluxo de demandas no Poder Judiciário. O plano de trabalho instituído pela Portaria 53/2020 explicita a busca da promoção, ampliação e aprimoramento das atividades de mediação e conciliação nas unidades do serviço extrajudicial de notas e registro. É muito importante aproveitar a capilaridade das instalações das unidades nas diversas especialidades e as suas especificidades. Nesse sentido, buscaremos o aprimoramento dos normativos que disciplinam essa atividade pelos serviços de notas e registro. Também incentivaremos a capacitação de titulares e prepostos para a mediação e conciliação por meio de convênios com escolas de magistratura, visando dar mais efetividade à atividade-fim. A pouca normatização da desjudicialização pode refletir a falta de pressão social para que a mediação e a conciliação sejam mais efetivas, ou ser um reflexo de interesses corporativos maiores. Os dados do Justiça em Números, do CNJ, mostram que, apesar dos esforços, a mediação e a conciliação no âmbito do Poder Judiciário ainda se encontra em um patamar muito aquém do desejado, da ordem de 12%. O potencial para crescimento é enorme. O país, a sociedade brasileira, precisa de desjudicialização. Os cartórios podem ajudar muito na mediação e na conciliação. Afinal de contas, o delegatário é formado em Direito e conhece, quase sempre, muito bem a comunidade em que está inserido. No interior, o delegatário sempre foi e deve continuar sendo uma “autoridade”, um pilar da sociedade local.
CcV – Os Cartórios de Registro Civil agora são conhecidos como Ofícios da Cidadania e atuam em parceria com órgãos públicos no fornecimento de documentos de identificação à população. Qual a importância deste trabalho dos registradores civis?
Marcelo Berthe – Essa importância é capital. O impacto da Lei 13.484/2017, julgada constitucional pelo STF, é muito relevante para o objetivo da ampliação de serviços públicos no país, inclusive pelo instrumento de convênios. Ressalte-se que foi mantida a supervisão do Poder Judiciário sobre os serviços prestados pelos Ofícios da Cidadania. É muito interessante quando vemos a atuação dos Cartórios de Registro Civil, também chamados de Ofícios da Cidadania, com uma visão de ciclo de vida. Uma pessoa inserida na sociedade moderna começa sua vida na relação com o Estado e com os outros cidadãos com um registro único e basilar, a certidão de nascimento. Uma pessoa encerra sua vida biológica com a morte, o que se traduz na relação com o Estado por outro registro único e importantíssimo, a certidão de óbito. Com as mudanças sociais, o casamento tem assumido novas dimensões e, assim, os Cartórios de registro civil, ao emi tirem a certidão de casamento, também têm se adaptado para essa outra faceta da vida das pessoas naturais que desejam constituir família, seja no sentido tradicional, seja no sentido alargado. Ao longo do ciclo da vida, a identificação única e inequívoca do cidadão é uma necessidade. Se, antes, essa identificação dependia de um suporte em papel, hoje ela depende principalmente de suporte eletrônico. Mas, independentemente da forma, os direitos e atributos da personalidade da pessoa natural serão, sempre, inafastáveis. Quer seja enquanto criança, estudante, trabalhador, jovem adulto, adulto em sua maturidade, ou, ainda, enquanto idoso, o cidadão vai interagir com o Estado, com a sociedade e com o sistema produtivo, de tal modo que essa relação produzirá registros e documentos, evidenciando a notável relevância das atividades desempenhadas pelos Ofícios da Cidadania.
CcV – Como a LGPD impacta os serviços extrajudiciais no Brasil e como será a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça na normatização desta sistemática?
Marcelo Berthe – A Corregedoria Nacional de Justiça está institucionalizando um Grupo de Trabalho sobre o impacto da LGPD sobre os serviços extrajudiciais. Objetiva-se, com tal medida, estabelecer princípios e diretrizes aplicáveis aos serviços notariais e registrais de todo o país, fixando paradigmas uniformes para a regulamentação estadual a ser feita pelas corregedorias dos tribunais de justiça dos Estados. A propósito, a temática foi contemplada ao ensejo do alinhamento das diretrizes estratégicas para as Corregedorias em 2021, que ficaram incumbidas de regulamentar e promover a adequação dos serviços notariais e de registro às disposições contidas na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD e supervisioná- -los nesta seara, inclusive mediante verificação nas inspeções ordinárias. Por outro lado, em recente evento realizado na Escola Paulista da Magistratura, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, corregedora nacional de Justiça, explicitou a importância da LGPD para a Corregedoria Nacional, para as Corregedorias locais e para os serviços extrajudiciais. Na qualidade de coorganizador do evento na Escola Paulista da Magistratura, para o qual foram ofertadas 900 vagas na modalidade à distância, nosso intuito foi de difundir a LGPD e estabelecer um diálogo profícuo com o segmento extrajudicial para que a proteção de dados seja uma realidade compreendida e vivenciada pelos cartorários e pelos cidadãos.
FONTE: Revista Cartórios com você