“O protesto de CDAs é uma das formas mais eficientes de recuperação dos créditos públicos federais”, afirma o coordenador-geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal, Fabio Munhoz

A Advocacia-Geral da União (AGU) definiu que não irá mais cobrar na Justiça valores inferiores a R$ 10 mil devidos a autarquias e fundações federais. A exceção são as dívidas oriundas de multas aplicadas pelas entidades públicas – hipótese na qual o piso para o ajuizamento da ação de cobrança será de R$ 1 mil. A medida tem como objetivo contribuir para a redução do enorme volume de processos que sobrecarrega o Judiciário brasileiro atualmente.

A decisão de não litigar em causas de montantes reduzidos está baseada em dois pontos: na Súmula nº 452 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconhece ser faculdade da Administração Pública Federal extinguir ações de pequeno valor; e na ampliação do uso de formas mais ágeis de cobrança, como o protesto extrajudicial. Enquanto uma ação de execução fiscal leva em média oito anos para ser concluída (de acordo com estudo do Ipea), o protesto em cartório costuma afetar o crédito do devedor em apenas poucos dias, funcionando, portanto, como incentivo para o pagamento da dívida.

Coordenador-geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão subordinado a Advocacia-Geral da União (AGU), Fabio Munhoz destaca em entrevista à Revista Cartórios com Você que “deve-se fomentar a utilização dos Cartórios de Protesto como ferramenta eficaz e célere para a recuperação dos créditos públicos federais”.

Especialista em Direito Processual Civil pela PUC Campinas e especialista em Direito Público pela Universidade Federal de Brasília, Munhoz elogiou o protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa (CDAs) e afirmou que esse é um meio eficiente e capaz de coibir o descumprimento da obrigação, inibir a inadimplência dos créditos em favor do erário e contribuir para a redução da judicialização de demandas.

Ainda de acordo com o procurador federal da AGU, os Cartórios têm um papel fundamental para o auxílio da concretização de diversas políticas públicas de grande interesse nacional, como na importante missão de viabilizar a recuperação dos créditos públicos de forma mais célere, eficaz e de maneira menos gravosa ao cidadão e menos onerosa ao Estado.

CcV – A Advocacia-Geral da União (AGU) definiu que não irá mais cobrar na Justiça valores inferiores a R$ 10 mil devidos a autarquias e fundações federais. Como foi tomada esta decisão?

Procurador Fábio Munhoz – De início, observa-se que a portaria 377 que foi alterada é datada de 2011, isto é, os patamares nela estabelecidos eram condizentes com uma realidade temporal de quase sete anos atrás. Esse motivo isoladamente já seria suficiente, em minha opinião, para justificar a alteração dos valores. Apenas a título exemplificativo, registre-se que a inflação oficial durante o período foi de 49,23%. Mais do que o lapso temporal, entretanto, a área de cobrança da PGF mudou substancialmente nestes últimos anos. Nesse contexto, para definição dos atuais patamares fixados pela Portaria AGU nº 377/2011, levou-se em consideração tanto os diferentes tipos de créditos cobrados pela PGF quanto a situação da cobrança na PGF à época de sua edição. Em sendo assim, com base no estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que concluiu que o processo de execução fiscal demorava, em média, oito anos, dois meses e nove dias para ser concluído, com custo unitário de mais de quatro mil reais (R$ 4.368,00) apenas para o Judiciário, a referida portaria estabeleceu o piso para cobrança judicial dos créditos em geral em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e em R$ 500,00 (quinhentos reais) para os créditos originados de multas decorrentes do exercício do poder de polícia.

CcV – Dívidas oriundas de multas aplicadas pelas entidades públicas – hipótese na qual o piso para o ajuizamento da ação de cobrança será de R$ 1 mil – ainda poderão ser cobradas na Justiça?

Procurador Fábio Munhoz – É de se reconhecer que a especificidade e variedade dos créditos das 159 entidades federais representadas pela PGF demanda uma análise cautelosa do caso. Vale dizer, diferentemente da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em que a função majoritária é arrecadatória, quantitativamente, o volume de créditos da PGF possui majoritariamente uma função pedagógica e preventiva. Nesse sentido, enquanto a arrecadação de um tributo de caráter fiscal tem como função principal prover o Estado das receitas necessárias para consecução das atividades públicas; uma multa decorrente do exercício do poder de polícia aplicada, por exemplo, pelo INMETRO ou pelo IBAMA, tem como função primordial a proteção da saúde e segurança pública ou do meio ambiente, destacando-se tanto pelo caráter repressivo como pelo pedagógico. Isto é, pune-se o infrator também para evitar que ele repita a infração e para que a sociedade fique ciente de que aquela atitude não será admitida no seio social.

CcV – O protesto extrajudicial pode ser considerado uma forma de ampliação do uso de formas mais ágeis de cobrança? Ele foi um dos motivos para a recente decisão da AGU?

Procurador Fábio Munhoz – Em 2011, os meios alternativos de cobrança ainda não eram uma realidade na PGF. À época, existia basicamente o início do projeto de protesto extrajudicial, tendo em vista que a assinatura do convênio entre a PGF e o Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil (IEPTB) havia sido realizada apenas um ano antes, em agosto de 2010, e o projeto-piloto foi realizado entre setembro e dezembro de 2010. Isto é, pouco se podia fazer para efetivamente se cobrar um crédito de uma entidade representada pela PGF além da propositura da ação de execução fiscal. Atualmente, podemos afirmar com convicção, que o protesto de CDAs é uma das formas mais eficientes de recuperação dos créditos públicos federais. Por tal motivo, a atual leitura que se faz é a de que deve-se fomentar a utilização dos Cartórios de Protesto como ferramenta eficaz e célere para a recuperação dos créditos públicos federais.

CcV – Como vê a importância da Súmula 452 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovada em 2010 que trata da extinção das ações de pequeno valor pela Administração Federal?

Procurador Fábio Munhoz – Corroboramos com tal entendimento do STJ esposado na Súmula 452 ao autorizarmos os colegas Procuradores Federais a não propor ações, a não interpor recursos, assim como a desistir das ações e dos respectivos recursos, quando o valor total atualizado de créditos das autarquias e fundações públicas federais, relativos a um mesmo devedor, for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), exceto em relação aos créditos originados de multas decorrentes do exercício do poder de polícia, hipóteses nas quais o limite será de R$ 1.000,00 (mil reais), visto que não se justifica ajuizar milhares de execuções fiscais de baixos valores, quando se tem instrumentos mais eficientes de cobrança.

CcV – A tendência é que o valor mínimo para se propor uma ação judicial aumente cada vez mais para diminuir a litigiosidade do Poder Público?

Procurador Fábio Munhoz – A Portaria AGU nº 349/18, publicada no DOU altera o artigo 3º da Portaria AGU nº 377/11, ao dispor o seguinte: “Artigo 3º - Os órgãos da Procuradoria-Geral Federal ficam autorizados a não efetuar a inscrição em dívida ativa, a não propor ações, a não interpor recursos, assim como a desistir das ações e dos respectivos recursos, quando o valor total atualizado de créditos das autarquias e fundações públicas federais, relativos a um mesmo devedor, for igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), exceto em relação aos créditos originados de multas decorrentes do exercício do poder de polícia, hipóteses nas quais o limite será de R$ 1.000,00 (mil reais). § 3º Não deverão ser ajuizadas execuções fiscais para cobrança de créditos abaixo dos limites previstos no caput. § 4º Para fins de cálculo dos limites estabelecidos no caput, incluem-se os valores devidos a título de encargos legais”. Desta feita, ficaram alterados os pisos mínimos para ajuizamentos de execuções fiscais, que passaram de R$ 5.000,00 para R$ 10.000,00 para créditos em geral e de R$ 500,00 para R$ 1.000,00 para multas em decorrência do poder de polícia, mas não altera a utilização dos meios extrajudiciais de cobrança, visto que continuaremos a cobrar tais créditos por outras vias, como o protesto de Certidões de Dívida Ativa, que atualmente se mostra a ferramenta mais eficaz para a cobrança e recuperação dos créditos públicos. Com isto, procura-se, sem dúvida, a diminuição da litigiosidade.

CcV – Como avalia a importância dos Cartórios – inclusive da ferramenta do protesto – para a desjudicialização e desafogo do Poder Judiciário?

Procurador Fábio Munhoz - Um ponto importante que merece destaque na alteração da Portaria AGU nº 377/2011 refere-se ao fato de que não se trata de aumentar o piso para atuação da PGF na área de cobrança e recuperação de créditos de forma indiscriminada. Na realidade, trata-se apenas de estabelecer parâmetros em uma específica forma de atuação da PGF, qual seja, em sede de execução fiscal. Vale dizer, ainda que haja o aumento do piso de atuação judicial aos órgãos da PGF, o protesto extrajudicial de certidões de dívida ativa (CDAs), atualmente regulamentado pela Portaria PGF nº 17/2013, não estabelece valores mínimos para sua realização. A esse respeito, vale salientar que atualmente a PGF já realiza o protesto de CDAs sem valores mínimos, o que tem se mostrado um meio célere e efetivo na recuperação do crédito público. Em sendo assim, os valores devidos às entidades representadas pela PGF que estejam abaixo do novo piso de atuação judicial continuarão a ser efetivamente cobrados, mas de maneira ainda mais eficiente que a propositura da execução fiscal, tendo em vista que os índices de recuperação com o protesto são superiores aos índices de recuperação com o processo de execução fiscal. Busca-se, assim, uma atuação mais direcionada e eficiente.

CcV – Quais as vantagens do Protesto em relação a outras formas de cobrança de dívidas?

Procurador Fábio Munhoz - As vantagens na utilização do Protesto de Certidões de Dívida Ativa são inúmeras, mas podemos citar que o protesto é um meio eficiente e capaz de coibir o descumprimento da obrigação. Sua utilidade também é de estimular o devedor a saldar a dívida; há clamor pela redução da judicialização das demandas. busca-se, dentro da evolução social e jurídica, novas alternativas para redução de demandas judiciais; o protesto de títulos em cartório somente ocorre se o documento protestado não contiver vícios (A CDA também já sofreu análise positiva do controle de legalidade por parte de membro da AGU); o protesto proporciona atendimento ao interesse público de pacificação social, respondendo mais imediatamente à sociedade, diminuindo a sensação de impunidade com relação à inadimplência do crédito público; O protesto viabiliza o atendimento na via extrajudicial do recebimento da obrigação, sem que sejam necessárias outras providências legais, tais como um processo executivo, o que em última análise é o objetivo do credor público ou privado com o protesto; também reduz as demandas executivas fiscais, desafogando o Poder Judiciário e em consequência, melhorando a prestação jurisdicional; preserva a garantia constitucional de acesso à Justiça e unicidade de jurisdição; o protesto impõe condição menos gravosa ao devedor (não há penhora de bens tal como ocorre nas execuções fiscais); agiliza o pagamento de créditos inscritos em dívida ativa da Fazenda Pública Federal, com significativa redução de custos; inibe a inadimplência destes créditos em favor do erário; contribui para a redução do volume de execuções fiscais ajuizadas, engajando-se na filosofia de redução consciente de demandas vigente no âmbito da AGU e CNJ.

CcV – Como órgão fiscalizador e de controle jurídico da como a AGU avalia o papel dos cartórios brasileiros em todo território nacional?

Procurador Fábio Munhoz - Vemos que os Cartórios têm um papel fundamental para o auxílio da concretização de diversas políticas públicas de grande interesse nacional, como na importante missão de viabilizar a recuperação dos créditos públicos de forma mais célere, eficaz e de maneira menos gravosa ao cidadão e menos onerosa ao Estado.

CcV – Como tem sido o trabalho da Procuradoria-Geral Federal para aprimorar o trabalho dos cartórios no País? Já há novas ações pensadas para o segmento extrajudicial?

Procurador Fábio Munhoz - A PGF busca estreitar cada vez mais o relacionamento com os cartórios, desde que assinou com o Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil (IEPTB) o convênio no dia 19 de agosto de 2010 e que possibilitou a isenção do pagamento dos emolumentos prévios para o protesto de Certidões de Dívida Ativa (CDA) das autarquias representadas pelo órgão. Portanto, esse acordo proporcionou a PGF encaminhar para os cartórios independentemente do pagamento dos emolumentos (taxas) iniciais pela Procuradoria-Geral Federal (PGF), que são recolhidos pelos próprios devedores quando do pagamento dos títulos. Buscamos agora viabilizar outros acordos, como o aditivo que está sendo estudado que viabilizará que os devedores das entidades representadas pela PGF possam pagar seus títulos protestados diretamente nos tabelionatos por meio da quitação de Guias de Recolhimento da União emitidas pelo nosso sistema SAPIENS Dívida, desburocratizando ainda mais o procedimento já exitoso existente desde 2010.

CcV – Como avalia a relação entre a atividade judicial e a extrajudicial ao longo dos últimos anos?

Procurador Fábio Munhoz - Creio que a atividade extrajudicial vem auxiliando e muito a atividade judicial, como na cobrança e recuperação de créditos públicos com a utilização do protesto de CDAs, por exemplo. Antes disso, a única ferramenta que havia para esta cobrança era a execução fiscal. Deve-se levar em consideração ainda o levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no relatório Justiça em Números, em que se reiterou a ineficiência do processo de execução fiscal, in verbis: os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 38% do total de casos pendentes e 75% das execuções pendentes no Poder Judiciário. Os processos dessa classe apresentam alta taxa de congestionamento, 91%, ou seja, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2016, apenas 9 foram baixados. Priorizar a execução fiscal, definitivamente, não é o meio mais eficiente para cobrança de dívidas de baixo valor.

FONTE: REVISTA CARTÓRIOS COM VOCÊ


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